terça-feira, 24 de novembro de 2009

BE pede suspensão do PNBEPH

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda entregou na passada sexta-feira, na Assembleia da República, um Projecto de Resolução, recomendando a suspensão e revisão do Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico, projecto esse que se publica abaixo.
Sobre este assunto, o BE enviou recentemente duas perguntas ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e ao Ministério da Economia da Inovação e do Desenvolvimento.


PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º …….. /XI

RECOMENDA AO GOVERNO A SUSPENSÃO E REVISÃO DO PLANO NACIONAL
DE BARRAGENS DE ELEVADO POTENCIAL HIDROELÉCTRICO (PNBEPH)

Em 2007, o Governo português estabeleceu como objectivo estratégico para a energia
hídrica a obtenção de 7.000 MW de potência instalada em 2020.
Este objectivo foi justificado com os propósitos gerais de aumentar a energia primária
consumida com origem em fontes renováveis (45% até 2010), de forma a reduzir a dependência energética do exterior e dos combustíveis fósseis, bem como de mitigar as emissões de gases de efeito de estufa (GEE).
Para alcançar parte importante desse objectivo foram seleccionadas 10 novas grandes barragens a serem construídas (1.150 MW), dentre 25 alternativas possíveis analisadas no Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico, doravante designado por PNBEPH, sujeito a uma Avaliação Ambiental Estratégica.
O PNBEPH tem sido alvo de forte contestação pública, nomeadamente por parte de várias organizações ecologistas e movimentos cívicos, devido aos impactes negativos graves que a construção de grandes barragens acarreta, tanto em termos ambientais, entre os quais se destacam a afectação da biodiversidade e ecossistemas aquáticos e a degradação da qualidade da água, como em termos socioeconómicos, sendo de referir a perda de terrenos agrícolas, o desaparecimento de património, entre outros. Estes impactes
tornam-­se ainda mais graves quando os benefícios energéticos do PNBEPH são residuais e poderiam ser alcançados com outras medidas de fácil aplicação e mais custo-eficientes.
Também a opção por alguns dos empreendimentos tem sido polémica, em particular a
barragem do Foz Tua, Fridão e Almourol, devido às importantes consequências que infligem nas populações afectadas e ecossistemas.
Um relatório encomendado pela Comissão Europeia e enviado às autoridades portuguesas
em Julho de 2009, confirma estas críticas ao fazer uma avaliação muito negativa do PNBEPH. As suas conclusões são claras quando afirmam que o mesmo tem “lacunas graves” e não faz a “comparação adequada” entre os benefícios da construção das barragens e os seus custos ambientais, sobrevalorizando os primeiros.
Uma das consequências mais graves apontadas pelo relatório é o risco de incumprimento
da Directiva Quadro da Água (DQA) no que diz respeito à garantia da qualidade dos recursos hídricos, um compromisso assumido por Portugal e que deve ser atingido, o mais tardar, até 2015.
Igualmente, são referidos vários impactes negativos importantes em ecossistemas
sensíveis, inclusive com a afectação de espécies ameaçadas e habitats prioritários
pertencentes à Rede Natura 2000, sendo a avaliação dos impactes do PNBEPH sobre o
meio aquático considerada de “muito pobre”.
São também referidas como debilidades sérias a ausência do estudo dos impactes
cumulativos ao nível de cada bacia hidrográfica ou o efeito das alterações climáticas sobre a disponibilidade hídrica, o que afectará a qualidade das águas e a capacidade de produção eléctrica dos empreendimentos.
Considerando que seis das novas barragens se vão situar na bacia hidrográfica do Douro,
cinco das quais na sub-­bacia do Tâmega, onde a presença de barragens já é significativa e a poluição das massas de água é considerada muito grave, torna-­se fundamental estudar se os efeitos cumulativos originados pela construção de novas barragens poderão potenciar de forma alarmante os impactes negativos nos ecossistemas e biodiversidade, qualidade da água e dos riscos induzidos, como é o caso da erosão costeira.
O fenómeno das alterações climáticas também não é de desvalorizar, como indica o relatório, já que as previsões estimam uma redução da disponibilidade dos recursos hídricos de tal ordem que implicariam uma redução da produção eléctrica até 55% para garantir a manutenção de caudais mínimos e a boa qualidade das águas. Esta é uma das razões pelas quais o relatório considera que o contributo energético do PNBEPH está claramente sobreavaliado, o que poderá colocar mesmo em causa a viabilidade económica de algumas das novas barragens previstas.
O PNBEPH incorre em erros graves desde a sua origem, claramente identificados no relatório europeu. A avaliação ambiental estratégica que lhe deu origem não executa uma avaliação custo-­‐benefício completa, não realiza uma avaliação abrangente dos impactes sobre os ecossistemas e recursos, nem faz uma comparação socioeconómica de estratégias energéticas alternativas.
Estas são exigências presentes na própria DQA, quando nos seus pontos 4.5 e 4.7
estabelece que novas infra-­estruturas, como sejam os empreendimentos hidroeléctricos,
só poderão ser construídas após a avaliação de alternativas e se os seus benefícios foram superiores aos objectivos ambientais a atingir nas massas de água. Ou seja, o modo como o PNBEPH foi elaborado constitui uma violação da própria DQA, o que é inaceitável.
Relativamente ao contributo do PNBEPH para se atingirem as metas energéticas e de redução das emissões de GEE, note-­se que a sua concretização irá representar apenas 3% do consumo de energia e 1% da redução das emissões. Quando Portugal desperdiça cerca de 60% da energia que consome, parte importante da qual poderia ser facilmente poupada com taxas de retorno muito elevadas no curto prazo, e continua a apresentar taxas de crescimento do consumo energético muito elevadas, torna-­se claro que esse contributo será ainda mais residual esse contributo (no período de 2000 a 2005, a taxa de crescimento anual para o consumo de energia primária situou-­se nos 6,8% e para o consumo final de energia nos 12%).
Os custos ambientais da construção destas grandes barragens tornam fundamental o estudo de alternativas energéticas capazes de atingir os mesmos objectivos com menores impactes, o que é perfeitamente plausível no campo da poupança energética, onde o potencial é enorme, e pela prioridade ao investimento nas fontes renováveis com maior sustentabilidade ambiental e social.
O Bloco de Esquerda defende que o PNBEPH deve ser imediatamente suspenso e
reavaliado, dado existirem erros graves na sua concepção que implicam, tanto uma
incorrecta avaliação dos impactes negativos sobre os recursos hídricos e a biodiversidade,
como a ausência do estudo de alternativas energéticas para concretizar os objectivos
propostos de redução da dependência aos combustíveis fósseis e das emissões de GEE.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe à Assembleia da República que recomende ao
Governo que:

1 – Suspenda o PNBEPH e proceda à sua reavaliação por uma entidade independente,
constituída por técnicos reconhecidos na área da energia, ambiente e território e
representantes de organizações da sociedade civil ligadas a estas áreas;
2 – No processo de reavaliação realize-­‐se, obrigatoriamente, a comparação dos
impactes e custos-­‐benefícios ambientais, sociais e económicos da opção de construir
barragens e de soluções energéticas alternativas, incluindo o estudo combinado
entre opções, tendo em conta as metas de incorporação de renováveis, diminuição
de dependência aos combustíveis fósseis e redução das emissões de GEE;
3 – No estudo sobre a opção da construção das barragens seja realizada,
obrigatoriamente, a análise dos impactes cumulativos ao nível de cada bacia
hidrográfica, das previsões das alterações climáticas sobre os recursos hídricos, dos
efeitos na qualidade das massas de água e cumprimento da DQA, das consequências
sobre os ecossistemas aquáticos e a biodiversidade, sobretudo em zonas da Rede
Natura 2000;
4 – Suspenda todas as decisões relativas ao lançamento de procedimentos concursais
de concessão das barragens previstas no PNBEPH, bem como os relativos aos
procedimentos em instrução ou concluídos, até estar concluída a reavaliação e a
Avaliação de Impacte Ambiental de cada um dos empreendimentos hidroeléctricos
que sejam seleccionados por esta reavaliação, elementos decisivos para a tomada
de decisão sobre a construção ou não de cada uma das barragens.

Palácio de São Bento, 19 de Novembro de 2009.
Os Deputados e as Deputadas do Bloco de Esquerda,

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