quarta-feira, 15 de abril de 2009

Linha do Tua

Parecer redigido pelo MCLT (Movimento Cívico pela Linha do Tua) para a Agência Portuguesa do Ambiente anti-AHFT (Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua)

I

Declarações emanadas Estudo de Impacte Ambiental (EIA):

1.A sua (Linha do Tua) articulação com a Linha do Douro fica (…) inviabilizada, e por conseguinte a manutenção do troço montante por parte da REFER (…) fica também inviabilizada; 2.A identificação das falhas (…) Bragança-Vilariça-Manteigas como falhas activas (…) sendo potencialmente capazes de gerar sismos de magnitude elevada; 3.O povoamento (…) não facilita o estabelecimento de percursos tradicionais de transporte colectivo rodoviário; 4.A área de influência (…) revela-se uma área (…) mal servida ao nível dos serviços mais procurados (…): esta situação agrava-se com as fracas acessibilidades e (…) escassez de oferta de transporte público; 5.A identificação e avaliação dos impactes do AHFT ao nível da sócio-economia evidenciaram (…) impactes muito negativos ao nível da economia local, em particular para (…) agricultura e agro-indústria, com repercussões também muito negativas ao nível do emprego e dos movimentos e estrutura da população.

A Barragem do Tua contribuirá no máximo em 0,5% de produção nacional de energia eléctrica, sendo que a maior fatia do défice energético do país provém do transporte rodoviário (combustíveis fósseis) e do desperdício doméstico. O reforço de potência da Barragem do Picote conseguirá produzir o equivalente a 75% do que irá produzir a Barragem do Tua, mas por 1/3 do custo desta, e se combinarmos os 3 reforços de potência de barragens previstos a nível nacional (Picote, Bemposta e Alqueva), estes produzirão o mesmo que 3 Barragens do Tua. O conjunto arquitectónico e de construção da Barragem do Tua insere-se na área do Douro Vinhateiro Património da Humanidade, cuja sustentabilidade, regra fundamental para a inclusão e manutenção na lista da UNESCO, fica posta em causa. A Adega Cooperativa de Murça, que perderá 60 hectares de vinha de Vinho do Porto, não foi sequer consultada, e as populações mostram a sua preocupação com compensações que rapidamente se esgotarão e não criarão suportes para o futuro. A posição do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações é aliás explícita: a Linha do Tua é para ser mantida.

II

O PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, Lei nº 58/2007 de 4 de Setembro, é um documento que define um conjunto de objectivos estratégicos e um plano de acção para o território nacional, identificando para tal um conjunto de condicionantes e oportunidades de várias unidades geográficas. O PNPOT prevalece sobre todos os demais instrumentos de gestão territorial (artigo 4º, nº2).

Para o território de Trás-os-Montes e Alto Douro foram definidas as seguintes orientações:

1.Inserir este território nas grandes redes de transportes internacionais;

2.Reforçar a cooperação transfronteiriça, promovendo a cooperação inter-urbana para liderar projectos de valorização do território transfronteiriço e de exploração dos mercados de proximidade;

3.Proteger os produtos regionais de qualidade, preservando os territórios e o quadro ambiental da sua produção, nomeadamente o Vinho do Porto, produto único com marca de prestígio mundial;

4.Organizar uma rede de centros de excelência em espaço rural, notáveis pela qualidade do ambiente e do património, pela genuinidade e qualidade dos seus produtos, pela sustentabilidade de práticas de produção e pelo nível dos serviços acessíveis à população;

5.Assegurar a sustentabilidade dos serviços colectivos e de administração numa óptica de equidade social e de combate ao despovoamento, reforçando a dimensão funcional dos principais aglomerados numa perspectiva de especialização, complementaridade e cooperação.

Em aditamento, são identificados uma série de riscos no território nacional. Sobre os mesmos o PNPOT é claro: “a gestão preventiva de riscos constitui uma prioridade de primeira linha da política de ordenamento de território, sendo considerada um elemento obrigatório dos outros instrumentos de gestão territorial”. Estes riscos são representados num mapa, o qual anexo à presente carta, onde se identifica a área de construção da Barragem do Tua como em “perigo de movimento de massa”, e em “troço de influência de ruptura de barragem”.

III

Sobre a Barragem do Tua, a mais rentável do Plano Nacional de Barragens, causa-me grande estranheza que à partida se tenha dado vantagem a apenas uma concorrente: a EDP. Era inclusivamente atribuído um valor de 20% de peso de decisão sobre a barragem à questão da Linha do Tua, cuja destruição é apontada no EIA como dos principais pontos negativos do projecto, mas que outras fontes relativizam a todo o custo com uma ligeireza desconcertante. Estando ainda agora em discussão se esta será construída ou não, é espantoso o à-vontade com que a EDP movimenta maquinaria pesada, usa explosivos, e delapida parte do vale do Tua, pondo em perigo a circulação ferroviária, em cuja zona de intervenção se deram entretanto 3 acidentes. É sobretudo vergonhoso a forma como realizou estas obras sem licença, e como não só ignorou a ordem da CCDRN para repor o local à situação original, como se apropriou de domínio público, ao vedar o acesso à margem direita do Tua. O representante da EDP, António Seca, admitiu a 4 de Fevereiro num debate público em Murça que o EIA apresenta graves falhas na avaliação dos impactos indirectos na agricultura e respectiva indústria devido à alteração do microclima local, errando inclusivamente no cálculo das áreas de vinha e olival a submergir.O EIA reconhece que toda a Linha do Tua ficará inviabilizada, que a população envolvente carece fortemente de mobilidade, e que o contributo da barragem será globalmente negativo em factores determinantes para o desenvolvimento local, incluindo a própria formação de emprego. A proposta de alternativa rodoviária apresentada pela EDP insere-se numa zona considerada como inviável para tal, destruindo o verdadeiro eixo de transporte existente: a Linha do Tua.

Em segundo lugar, a Barragem do Tua está em clara violação do PNPOT. Pela inviabilização da Linha do Tua, e com a chegada da Rede Europeia de Alta Velocidade à Puebla de Sanábria em 2012, a 30km de Bragança, está-se a fazer tábua rasa dos objectivos de ligação às redes de transporte internacionais e cooperação transfronteiriça. É flagrante a forma como o PNPOT está a ser totalmente transgredido quando este define a protecção de produtos como o Vinho do Porto, e a Barragem do Tua vem destruir directamente vários hectares de vinha de produção deste e alterar o microclima das vinhas que restarem. A sustentabilidade de práticas de produção e serviços é arrasada, não só pela vinha arruinada mas pelo olival e outros cultivos em terrenos que não terão mais serventia por séculos, bem como pela anulação do transporte público oferecido pela Linha do Tua, que tanto serve população sem outras alternativas de transporte, como dezenas de milhares de turistas que suportam em boa parte o tecido turístico da região. Que dizer aliás da genuinidade de mais um espelho de água entre dezenas, quando se tem um vale e uma via-férrea, entre outros recursos endógenos únicos, cuja fama arrecadou a procura de turistas de vários países, sem qualquer tipo de publicidade?

Mas o mais grave é o facto da Barragem do Tua ser uma bomba relógio, menos insuspeita que a Barragem de Vega de Tera na Sanábria, cujo rebentamento matou 150 pessoas em apenas uma aldeia, ou tão suspeita quanto a de Valjont em Itália, cuja onda de cheia causada por deslizamento de terras na albufeira matou 2.000 pessoas, ao se ter ignorado negligentemente – como se está a ignorar agora – a instabilidade geológica da zona envolvente.

Em face a estes aspectos, outra reacção não me ocorre senão a total perplexidade perante a quantidade de distorções, ofensas e ameaças que a Barragem do Tua representa, e mais ainda com a insistência na sua construção. Não desejo explicações: uma base de sustentação sólida para esta barragem é inexistente, para além do facto de servir a EDP e o lobby da construção. Nada de benéfico advirá para a região, e o próprio país perderá com a destruição irreparável do Vale e da Linha do Tua, para além de ganhar um potencial desastre e um acréscimo de energia risível. Requeiro o reconhecimento tácito do estorvo que esta obra representará a nível regional e nacional, e o seu encerramento imediato, para terminar a situação de angústia e impasse em que a zona se encontra, concentrando todos os esforços no seu desenvolvimento sustentável, e não na sua delapidação criminosa.

Fevereiro de 2009

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