quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Ser ou não ser sustentável

O relatório encomendado pela Comissão Europeia a um painel internacional de peritos e que foi recentemente divulgado, a contragosto do governo português, obriga à suspensão do Plano Nacional de Barragens e recentra o debate em torno da questão fulcral: como se resolvem as exigências do desenvolvimento e da energia de uma forma sustentável?


O Plano Nacional de Barragens foi apresentado pelo governo de José Sócrates como a solução milagrosa para resolver o problema da dependência da produção de energia a partir de combustíveis fósseis, equilibrar a balança de pagamentos diminuindo as importações de combustíveis e aumentar a percentagem de produção eléctrica limpa.

Na aparência podia parecer um bom plano, só era preciso que todas as premissas fossem verdadeiras, o que não acontece.

É certo que as energias primárias importadas correspondiam em 2005 a 3,7% do PIB nacional, mas no mesmo ano, o consumo final dos combustíveis fósseis importados destinava-se na sua parcela mais significativa ao sector de transportes que absorve mais de um terço dos combustíveis importados. Diminuir este peso relativo nas importações obriga portanto a uma alteração urgente na política de transportes a par de uma política diversa para a electricidade.
O segundo logro consiste na ideia amplamente veiculada de que a produção hídrica de electricidade é limpa, isto é, que não produz gases que contribuam para o efeito de estufa e que os seus impactos para o ambiente são irrelevantes.

É preciso desconstruir esta ideia de uma forma desassombrada. Em primeiro lugar porque as bolsas de água contida nas albufeiras correspondem a uma acumulação dinâmica resultante de um movimento de "cauda longa" no ciclo da água. A água que chega às albufeiras transporta no seu movimento, muitos resíduos orgânicos que ficam depositados e em decomposição no fundo das lagoas. Este processo de decomposição produz gases diversos e todos eles contribuem para o efeito de estufa. Em segundo lugar, a contenção de grandes embalses de água, sem movimento e portanto sem oxigenação, significa que a sua própria qualidade se degrada, as espécies piscícolas migratórias desaparecem e todo o ecossistema é afectado.

O relatório agora divulgado alerta para o incumprimento da Directiva Água no que diz respeito à qualidade das águas fluviais e apresenta o que são consequências devastadoras, nomeadamente para a bacia hidrográfica do Douro para a qual está prevista a construção de 6 dos 10 projectos do Plano Nacional de Barragens.

Num quadro de eminência de mudanças do clima no nosso país, a região norte e a área abrangida pela bacia hidrográfica do Douro tem que ser equacionada do ponto de vista do seu papel estratégico. Esta é uma das regiões de maior pluviosidade, o que significa que desempenha do ponto de vista dos equilíbrios nacionais uma região essencial no que diz respeito à oferta de água potável. Pôr em risco toda esta região, que é o que a o Plano Nacional de Barragens implica, significa hipotecar no futuro uma reserva estratégica de água que pode vir a ser imprescindível.


É portanto uma decisão irracional e criminosa neste contexto.

É, além disso inútil. O acréscimo de potencial de produção eléctrica obtida a partir das barragens projectadas não vai além de um aumento de 3% de produção de energia, o que pode facilmente ser compensado em poupanças de consumo. Existe ao nível dos consumos domésticos e de serviços, que representam um segmento de elevado desperdício de electricidade, um potencial de aumento de eficiência energética que pode e deve ser elevado para uma fasquia mais exigente se for associado a um plano nacional de reabilitação urbana.

Há uma equação totalmente alternativa à da política do governo de José Sócrates que permite olhar para a procura de soluções ao nível da eficiência energética - na electricidade e nos transportes - e da produção de electricidade através de meios mais sustentáveis do que a produção hídrica, como é o caso do solar, que beneficia a economia do país, potencia o seu desenvolvimento e é geradora de emprego qualificado.

Para que essa equação seja viável é preciso que a política energética se submeta a uma lógica de serviço público ao invés da lógica de mercado que o PS e o seu governo têm defendido. A concentração empresarial da produção de electricidade, a falta de uma vontade política para um programa de eficiência energética eficaz e exigente beneficiam as operações bolsistas mas prejudicam a economia. Sustentabilidade ambiental e desenvolvimento económico são dois eixos políticos que só podem convergir para uma concepção de que os recursos que temos têm que ser colocados ao serviço de todos.


17.11.2009


Alda Macedo


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