Porque o que consta do PNBEPH é por de mais importante, porque o tempo de discussão e de consulta pública foi demasiado escasso, porque os estudos dos impactos gerais, e especialmente dos cumulativos, têm que ser aprofundados, porque a contestação a esta opção do Governo é cada vez maior, porque as críticas estão sobejamente comprovadas, porque um olhar independente sobre o PNBEPH dará sempre uma conclusão idêntica àquela que chegou da Comissão Europeia, ou seja, de que não se percebe como é que um Programa com estas características foi aprovado, e também porque a concretização do PNBEPH trará consequências irreversíveis que não poderão jamais ser repostas e impactos económicos, sociais, patrimoniais, ambientais e culturais elevadíssimos, “Os Verdes” requerem que o Governo suspenda de imediato o Programa Nacional de Barragens.
REQUER A SUSPENSÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE BARRAGENS COM ELEVADO POTENCIAL HIDROELÉCTRICO
Nota justificativa
Face à inegável gravidade e irreversibilidade de muitos dos impactos económicos, sociais, ambientais e patrimoniais do Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH), que preconiza a construção de dez novas barragens, seis delas na bacia do Douro, “Os Verdes” apelaram ao Governo, no dia 8 de Fevereiro de 2008, para que suspendesse o processo de concretização deste Programa.
Este apelo, lançado no quadro de um debate de urgência em plenário da Assembleia da República, precedido da realização de uma audição parlamentar bastante participada, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PEV, reflectia também a posição da grande maioria das associações de ambiente deste país, de muitos especialistas e diversas entidades, desde autarquias, passando por associações profissionais, até técnicos e responsáveis de organismos da administração central, os quais expressaram a sua posição no quadro de consulta pública ou de diversas iniciativas públicas.
O amplo consenso gerado à volta da necessidade de suspender este Programa, advém de vários factos inaceitáveis, dos quais destacamos o não cumprimento de muitos dos pressupostos e do objectivo da Avaliação Ambiental Estratégica, regulada pelo Decreto-Lei nº 232/2007, o desfasamento entre os objectivos e as propostas do Programa e a falta de razoabilidade entre factores custos / benefícios / impactos do Programa.
Com efeito, este Programa omite nuns casos, e noutros subavalia, muitos dos impactos negativos previsíveis de cada projecto hidroeléctrico em si e do Programa no seu todo. Não se compreende, por exemplo, que se omita a inclusão da barragem do Tua numa área classificada ao nível mundial, pela UNESCO, ou que não se proceda a uma avaliação de riscos sobre as populações e sobre Amarante decorrentes da “cascata do Tâmega” e do facto da cidade ficar a cerca de noventa metro abaixo da quota da barragem do Fridão, tal como prevista no Programa, enquanto, por outro lado, inflaciona alguns aspectos como a produção hidroeléctrica ou o emprego gerado, fazendo os cálculos da produção hidroeléctrica a partir de caudais com valores de referência de há cinquenta anos atrás, e referindo-se aos empregos a criar, sem mencionar os empregos extintos com a submersão de largas áreas territoriais e a consequente extinção das actividades económicas que aí têm lugar, nomeadamente do sector agrícola, e sem estabelecer o diferencial com os empregos extintos pela submersão de vastas áreas territoriais e consequente extinção das actividades económicas aí localizadas, nomeadamente na agricultura.
O PNBEPH não avalia os impactos cumulativos da totalidade de barragens propostas, nem os impactos da sua construção e funcionamento relacionados com as barragens já existentes, designadamente no caso da bacia hidrográfica do Douro onde se localizam seis dos dez projectos propostos e onde já existem catorze barragens. Há, até, certos parâmetros fundamentais que foram pura e simplesmente ignorados em termos dos seus impactos cumulativos que tendem a ser muito significativos, quer no que respeita a retenção de inertes, a degradação da qualidade da água, a perda de biodiversidade, ou ao aumento de riscos para as populações.
Mas mais, o PNBEPH sustenta-se numa ausência total de avaliação de caminhos alternativos que permitissem atingir os objectivos (resposta ao consumo energético, redução da dependência energética de Portugal do exterior, combate às alterações climáticas) enunciados pelo Governo com muito menores impactos. De resto, a eficiência energética foi totalmente secundarizada num Programa de deveria estar integrado em objectivos estratégicos de poupança energética, nem tão pouco foi avaliada a resposta das barragens já existentes ao seu reforço hidroeléctrico ou à sua resposta à reversibilidade da produção eólica. Certo é que há um desperdício energético enorme no país, designadamente ao nível do transporte da energia, mas também ao nível dos consumos. Certo é que este PNBEPH não representará mais do que 3% da electroprodução nacional e certo é, ainda, que não contribuirá em mais do que 1% para o combate às alterações climáticas, o que leva à necessidade de uma avaliação séria entre os factores custo / benefício /impactos, a qual não foi ponderada.
Este Programa de barragens utiliza ainda umas “manigâncias” incompreensíveis, quando faz previsões ao nível da produção hidroeléctrica calculadas com base em caudais de há cerca de 50 anos, distorcendo, portanto, a própria viabilidade económica das barragens e a aferição do seu custo /vantagem.
Para além de não ter em conta os efeitos das alterações climáticas que já se fazem sentir e a necessidade de adaptação do país a essas mudanças climatéricas, há uma total ausência de articulação deste Programa, e das suas propostas, com outros programas ou Planos, nomeadamente com o Programa Nacional de Combate as Alterações Climáticas, com a Estratégia Nacional para a Eficiência Energética, com o Programa de combate à Desertificação, ou com os Planos de Bacia/Região Hidrográfica.
Desde sempre foi sentida, por todos os interessados, uma absoluta necessidade de aprofundar os estudos e de prolongar a consulta pública, sobretudo quando está em causa uma proposta governamental que tanta controvérsia e apreensão levanta em amplos sectores da sociedade. E essa necessidade é tanto mais sentida quanto no quadro da consulta pública ocorrida só foram promovidos três debates público (em Lisboa, no Porto e em Coimbra), sendo que nenhum destes debates decorreu em locais que poderão vir a ser directamente afectados pelas Barragens, negando-se, assim, o direito às populações mais afectadas de participar, de manifestar a sua opinião e de pedir esclarecimentos necessários .
Mas o Governo, de então, confortavelmente apoiado na sua maioria absoluta, assim não entendeu, assumiu a sua opção de não querer um amplo debate em torno do PNBEPH e apressou-se a dar andamento ao Programa, fazendo “orelhas moucas”, inclusivamente depois dos contributos prestados no âmbito da consulta pública, a todas as críticas, preocupações, alertas e sugestões emitidas. Foram publicados apressadamente vários diplomas para concretizar o programa e, simultaneamente, assistia-se à clara violação de compromissos internacionais, entre os quais a não participação à UNESCO da intenção de construir uma Barragem na Foz do Tua, participação obrigatória pelo facto deste projecto (curiosamente o primeira a ser sujeito a concurso) estar localizado no Alto Douro Vinhateiro, zona classificada como Património da Humanidade por esta prestigiada entidade.Entretanto, a Comissão Europeia, na posse de um estudo independente relativo ao PNBEPH, o qual arrasa completamente os pressupostos e objectivos deste Programa, veio pedir explicações ao Governo português e salientar, designadamente, a forma como o PNBEPH se incompatibiliza com as metas assumidas para 2015, relativas à qualidade da água, compromissos, de resto, decorrentes da transposição da Directiva Quadro da Água.
E, se dúvidas ainda restassem quanto à omissão ou subavaliação dos efeitos do PNBEPH, a avaliação de impacto ambiental (AIA) de cada projecto seleccionado, mesmo que também fique aquém na aferição desses impactos, acabou por pôr a nu as grandes debilidades e a falta de rigor da avaliação estratégica, como bem prova a identificação de espécies (mexilhão de rio) protegidas pela Convenção de Berna e claramente afectadas pela barragem de Padrozelos, ou a AIA relativa à barragem do Tua. A verdade é que relativamente a esse projecto vieram à tona de água muitos dados omitidos na avaliação estratégica, nomeadamente quanto aos efeitos decorrentes da submersão da Linha do Tua, não só em relação à mobilidade das populações, mas também do ponto de vista patrimonial e identitário.
Porque a questão é por de mais importante, porque a contestação a esta opção do Governo é cada vez maior, porque as críticas estão sobejamente comprovadas, porque um olhar independente sobre o PNBHPE dará sempre uma conclusão idêntica àquela que chegou da Comissão Europeia, ou seja, de que não se percebe como é que um Programa com estas características foi aprovado, e também porque a concretização do PNBEPH trará consequências irreversíveis, que não poderão jamais ser repostas,nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República, reunida em sessão plenária, delibera recomendar ao Governo:
1. Que suspenda, de imediato, a concretização do PNBEPH.
2. Na sequência do número anterior, que não seja adjudicado nenhum dos empreendimentos previstos no PNBEPH, sem que se realize um estudo, com carácter independente, que avalie os objectivos traçados no Programa, sua articulação com os diferentes Planos já existentes e que relacione, de uma forma objectiva, custos /impactos /benefícios dos empreendimentos previstos. 3. Que a avaliação prevista no número anterior se debruce sobre aspectos não avaliados, designadamente sobre os impactos cumulativos dos diferentes projectos previstos no PNBEPH, entre si, e em acumulação com as barragens já existentes nas diferentes bacias hidrográficas.
4. Que essa avaliação determine rigorosamente os efeitos das barragens previstas sobre a qualidade da água, conjugando essa aferição com os compromissos assumidos por Portugal, bem como os efeitos do conjunto de projectos sobre o litoral, questão da maior relevância para a preparação do país no que concerne ao fenómeno das alterações climáticas.
Os Deputados
Heloísa Apolónia
José Luís Ferreira
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